Eurípedes Barsanulfo
Cedo manifestou-se nele profunda inteligência e senso de responsabilidade, acervo conquistado naturalmente nas experiências de vidas pretéritas.
Ainda bem moço, porém muito estudioso e com tendências para o ensino, isso foi incumbido pelo seu mestre-escola de ensinar aos próprios companheiros de aula. Respeitável representante político de sua comunidade, tornou-se secretário da Irmandade São Vicente de Paulo, tendo participado ativamente da fundação do jornal Gazeta de Sacramento e do Liceu Sacramentano. Logo, viu-se guindado à posição natural de líder, por sua segura orientação quanto aos verdadeiros valores da vida.
Através de informações prestadas por um dos seus tios, tomou conhecimento da existência dos fenômenos espíritas e das obras da Codificação Kardequiana. Diante dos fatos voltou totalmente suas atividades para a nova Doutrina, pesquisando por todos os meios e maneiras, até desfazer totalmente suas dúvidas.
Despertado e convicto, converteu-se sem delongas e sem esmorecimentos. Identificando-se plenamente com os novos ideais, numa atitude sincera e própria de sua personalidade, procurou o vigário da Igreja matriz, onde prestava sua colaboração, colocando à disposição o cargo de secretário da Irmandade.
Repercutiu estrondosamente tal acontecimento entre os habitantes da cidade e entre membros de sua própria família. Em poucos dias, começou a sofrer as consequências de sua atitude incompreendida.
Persistiu lecionando e, entre as matérias, incluiu o ensino do Espiritismo, provocando reação em muitas pessoas da cidade, sendo procurado pelos pais dos alunos, que chegaram a lhe oferecer dinheiro para que voltasse atrás quanto à nova matéria e, ante sua recusa, os alunos foram retirados um a um.
Sob pressões de toda ordem e impiedosas perseguições, Eurípedes sofreu forte traumatismo, retirando-se para tratamento e recuperação em uma cidade vizinha, época em que nele desabrocharam várias faculdades mediúnicas, em especial a de cura, despertando-o para a vida missionária. Um dos primeiros casos de cura ocorreu justamente com sua própria mãe que, restabelecida, se tornou valiosa assessora em seus trabalhos.
A produção de vários fenômenos fez com que fossem atraídas para Sacramento centenas de pessoas de outras paragens, abrigando-se nos hotéis e pensões, e até mesmo em casas de família, pois a todos Barsanulfo atendia. Ninguém saía sem algum proveito, no mínimo, o lenitivo da fé e a esperança renovada e, quando merecido, o benefício da cura, através de bondosos Benfeitores Espirituais.
Auxiliava a todos, sem distinção de classe, credo ou cor e, onde se fizesse necessária a sua presença, lá estava ele, houvesse ou não condições materiais.
Jamais esmorecia e, humildemente, seguia seu caminho cheio de percalços, porém animado do mais vivo idealismo. Logo sentiu a necessidade de divulgar o Espiritismo, aumentando o número dos seus seguidores. Para isso fundou o Grupo Espírita Esperança e Caridade, no ano de 1905, tarefa na qual foi apoiado pelos seus irmãos e alguns amigos, passando a desenvolver trabalhos interessantes, tanto no campo doutrinário, como nas atividades de assistência social.
Em 1º de abril de 1907, fundou o Colégio Allan Kardec, que se tornou verdadeiro marco no campo do ensino. Esse instituto de ensino passou a ser conhecido em todo o Brasil, tendo funcionado, ininterruptamente, desde a sua inauguração, com a média de cem a duzentos alunos, até o dia 18 de outubro de 1918, quando foi obrigado a cerrar suas portas por algum tempo, devido à grande epidemia de gripe espanhola que assolou nosso país.
Seu trabalho ficou tão conhecido que, ao abrirem- se as inscrições para matrículas, se encerravam no mesmo dia, tal a procura de alunos, obrigando um colégio da mesma região, dirigido por freiras da Ordem de S. Francisco, a encerrar suas atividades por falta de alunos.
Liderado a pulso forte, com diretriz segura, robustecia- se o movimento espírita na região e esse fato incomodava sobremaneira o clero católico, passando esse, inicialmente, de forma velada e logo após, declaradamente, a desenvolver uma campanha difamatória envolvendo o digno missionário e a doutrina de libertação, que foi galhardamente defendida por Eurípedes, através das colunas do jornal Alavanca, discorrendo principalmente sobre o tema: Deus não é Jesus e Jesus não é Deus, com argumentação abalizada e incontestável, determinando fragorosa derrota dos seus opositores que, diante de um gigante que não conhecia esmorecimento na luta, mandaram vir de Campinas, Estado de São Paulo, o reverendo Feliciano Yague, famoso por suas pregações e conhecimentos, convencidos de que, com suas argumentações e convicções, infringiriam o golpe derradeiro no Espiritismo.
Foi assim que o referido padre desafiou Eurípedes para uma polêmica em praça pública, aceita e combinada em termos que foi respeitada pelo conhecido apóstolo do bem.
No dia marcado o padre iniciou suas observações, insultando o Espiritismo e os espíritas, doutrina do demônio e seus adeptos, loucos passíveis das penas eternas, numa demonstração de falso zelo religioso e testemunho público de ódio.
A multidão, que se mantinha respeitosa e confiante na réplica do defensor do Espiritismo, antevia a derrota dos ofensores, pela própria fragilidade dos seus argumentos vazios e inconsistentes.
O missionário aguardou serenamente sua oportunidade, iniciando sua parte com uma prece sincera, humilde e bela, implorando paz e tranquilidade para uns e luz para outros, tornando o ambiente propício para inspiração e assistência do Plano Maior. Em seguida, iniciou a defesa dos princípios nos quais se alicerçavam seus ensinamentos.
Com delicadeza, com lógica, dando vazão à sua inteligência, descortinou os desvirtuamentos doutrinários apregoados pelo Reverendo, corroborado pela manifestação alegre e ruidosa da multidão que, desde o princípio, confiou naquele que facilmente demonstrava a lógica dos ensinos apregoados pelo Espiritismo.
Ao terminar a famosa polêmica e reconhecendo o estado de alma do Reverendo, Eurípedes aproximou-se dele e abraçou-o fraterna e sinceramente, como sinceros eram seus pensamentos e suas atitudes.
Barsanulfo seguiu com dedicação as máximas de Jesus Cristo até o último instante de sua vida terrena, por ocasião da pavorosa epidemia de gripe que assolou o mundo em 1918, ceifando vidas, espalhando lágrimas e aflição, redobrando o trabalho do grande missionário, que a previra muito antes de invadir o continente americano, sempre falando na gravidade da situação que ela acarretaria.
Manifestada em nosso continente, veio encontrá-lo à cabeceira de seus enfermos, auxiliando centenas de famílias pobres. Havia chegado ao término de sua missão terrena. Esgotado pelo esforço despendido, desencarnou no dia 1º de novembro de 1918, às 18h, rodeado de parentes, amigos e discípulos.
Sacramento em peso, em verdadeira romaria, acompanhou-lhe o corpo até a sepultura, sentindo que ele ressurgia para uma vida mais elevada e mais sublime.
Em 24.10.2017